Cada almoço é único
Não tenho dado conta. É muita informação. Temos o compromisso de seguir a borboleta amarela por onde ela vá, como disse Xico Sá em uma crônica publicada no El País. Isso, quando a terra girava sem o Corona. Pense… Agora, estamos aqui. Reclusos, com medo. A borboleta amarela vira a esquina e eu não dou conta de segui-la. Ela vai e eu fico.
Mudamos o foco. Nos sobra tempo e falta paciência. Tudo o que queremos é poder retomar nossas rotinas. O cafezinho comprado no 7º andar da faculdade nunca havia me feito tanta falta. Eu nunca tinha dado tanto valor para o bom dia do porteiro da FAE. Cada aperto de mão, bobo e quase que insignificante, faz uma falta danada. Agora nós assistimos filmes e estranhamos quando vemos as pessoas se cumprimentando com beijos no rosto e abraços. Ir na padaria é o grande evento do dia – com luvas, máscaras e munidos de álcool em gel. A mão ressecada de tanto álcool nos passa a mensagem: não aguentamos mais.
Se soubéssemos tudo o que estava por vir, nosso carnaval seria diferente? Beijaríamos mais bocas? E aquele abraço que deixamos para depois? Teríamos dado com a maior força do mundo? É o velho questionamento que, aliás, nunca fica velho: “seria diferente se você soubesse que aquela era a última vez?”. Você se arrepende? Fez menos do que deveria? Aproveitou de menos aqueles segundos de proximidade? O Corona nos fez enxergar aquilo que não víamos – o tempo passando. E agora, enclausurados e torcendo para que tudo passe depressa e com a menor letalidade possível, vemos o tempo passando e se esvaindo entre nossos dedos – tipo areia. Talvez a gente tire disso tudo uma grande lição. Cada almoço é único. Cada toque nas mãos. Cada abraço. Cada palavra que sai da nossa boca.
Em tempos de isolamento social, desisti de seguir a borboleta amarela. Não tem como. Aqui jaz esperança. Assisto muito Globo News e sou uma ferrenha atualizadora de Twitter. Somos governados por alguém que olha para mortes e reage com um sonoro e ensurdecedor “e daí?”. Nunca fomos tão tristes. Nunca passamos por tempos tão solitários.
Borboleta amarela, me espere na esquina… Devo voltar.