À democracia
Você não é perfeita. Talvez você seja o mais próximo disso que conseguimos chegar. Você é tipo fidelidade. Tipo casamento. Tem de bom e tem de ruim, sabe? Às vezes eu acho que não temos condições de te idealizar, porque, afinal – é impossível sequer imaginar uma maneira de te aperfeiçoar de um modo que fique bom para todo mundo. E esse é, justamente, o ponto. Você tem que ser boa para todo mundo. Deve ser para todo mundo, entendeu? Porque em âmbito nacional, esse “mundo” é a nação, e a nação brasileira é manifestamente pobre ou quase pobre. E dizer que não existe fome por aqui é uma afirmação egoísta e dolorida demais. É uma afirmação cheia de certeza de sua negação. É que existe fome e existem urnas. Só que o acesso às urnas com os dedos sujos de terra e lixo não é o principal ponto aqui.
2016 foi um ano muito movimentado. Com certeza, um marco interruptivo na sua história. Depois daquele dia, você nunca mais foi a mesma. Sabe quando a gente leva um pé na bunda e passa uma semana indo jantar no Outback e jurando que nunca mais se envolve com alguém? Então. O fato é que a gente realmente nunca mais volta a ser a mesma pessoa que pediu aquela ribs on the barbie do consolo.
Você apanhou muito e eu sofri essas dores com você. Muita gente te viu levando os primeiros socos e comemorou. Era tipo gol de futebol. Eu estava ali, estarrecida, no sofá, pensando em você. Quando você terminou de levar a surra encomendada, eu chorei. Eram muitas buzinas e você foi para U.T.I. – só conseguia respirar com a ajuda de aparelhos bem específicos. Muita gente torcendo por você, outras lutando. Tanta gente já deu o próprio sangue e perdeu a vida pensando em você. Já foi tipo um amor clandestino. Tipo quando o homem quer aquela mulher a todo custo e dane-se todo o resto. Mesmo ela sendo proclamada rainha depois de morta. Mesmo ele indo para Portugal contra a vontade.
Depois de tanto, você se reergueu. Mas eu tenho uma eminente sensação de que posso te perder a qualquer momento. Sabe como funciona? Tipo quando você pisa feio na bola e consegue uma segunda chance com alguém… parece que a pessoa, ao primeiro tropeço, vai sair pela porta da frente. Estamos sempre com aquele nó na garganta, mandando mensagens, observando os “online” do WhatsApp e querendo saber se está tudo bem por lá.
E eu te peço, democracia, vamos trancar essa porta. Podemos pedir ribs on the barbie várias vezes. A gente precisa de você por aqui, viva e com os olhos mais atentos que nunca. Você não é perfeita, mas é a mais perfeita que já tivemos notícias.